CEEPU

Transpiração em Psicanálise: o Inconsciente

É fascinante considerar a força do inconsciente, seu determinismo e sua influência em nossas vidas. Mais fascinante ainda é observar, investigar, inferir, conhecer as tramas e os dramas deste universo, através das relações de objetos que estabelecemos. Seja dentro e/ou fora de nós, seja ao acaso das circunstâncias, ao acaso inclusive das nossas escolhas, somos afetados por nossos objetos internos e por toda complexidade de nosso mundo interno.

Sendo assim, não será possível sabermos de antemão, o que iremos sentir, pensar, sonhar, ou se conseguiremos conter ou sustentar emocionalmente qualquer experiência. Poderemos sentir o impacto de um objeto no nosso self, podendo gerar alegria, prazer, compreensão, crescimento como também dor, vazio, falta de sentido ou representação dentro de nós, mas será meu Ser, minha subjetividade e meus objetos internos transpirando naquele momento da experiência.

Os objetos e os usos que fazemos deles em nossas vidas, têm a capacidade de evocar uma infinidade de experiências do self.

A partir desta visão previamente colocada, em acordo com os que aceitam as premissas da Psicanálise, é possível constatar que as experiências vividas por nós são evocações dos nossos objetos internos, na presença do outro dentro ou fora de nós, onde seremos simplesmente tocados em nossa subjetividade constituída até o momento.

Paradoxalmente, o sujeito fala de suas relações com seus objetos internos em relação a experiências com objetos externos e o campo formado pela vivência entre eles, numa díade mundo interno e mundo externo.

Este olhar me ocorreu para comentar um ponto em comum, enquanto sujeitos e objetos, ao acompanharmos a apresentação de material clínico pela colega Anna Thereza, no último encontro promovido pelo Centro Clínico do CEEPU, com comentários de uma outra colega Silvana Vassimon, onde cada qual com sua subjetividade, sua experiência emocional, clínica e teórica comunica a experiência única para cada sujeito da dupla, numa evocação contínua de si e simultaneamente do todo, em tempo real, inclusive dos presentes, irrompendo de dentro de todos participantes nossa singular “textura psíquica, onde o ego escolhe não somente que aspecto de um objeto vai usar mas, também, que modelo subjetivo empregar neste uso”(1).

São vivências únicas, tal como uma impressão digital psíquica.

Como nos conta Bollas: “O idioma de uma pessoa refere-se ao núcleo único de cada indivíduo, uma figuração do Ser, parecida com uma semente que pode, sob condições favoráveis, evoluir e se articular – o idioma humano é essência definida de cada sujeito, e, embora, todos nós tenhamos certo sentido sutil do idioma do outro, esse conhecimento é virtualmente impensável.” (idem)

Para mim, esta frase contempla o complexo ofício ao exercermos a Psicanálise. É a partir do self de cada um, do analista, do analisando e   relação de ambos, via transferência, no idioma de cada um, é que encontramos espaços potenciais de transformações.

 

 

Referência bibliográfica:

1.Bollas, C. Sendo um personagem. Ed. RevinteR. RJ, 1998.

 

 

Mara Guimarães P. Lima Degani.

Psicóloga, Psicanalista, Membro Efetivo e Supervisora do CEEPU, Membro Associado da SBPSP, Membro do NPU.

 

Outubro/2022.

Ah, esta arte da Psicanálise – Luciana Tomaz, psicóloga, membro do CEEPU

Ah, esta arte da Psicanálise!

Existe um axioma na medicina que diz:

“O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.”

Sempre que a arte e a literatura emprestam uma representação para uma experiência emocional, essa frase surge em minha mente e a parafraseio usando a psicanálise pois, não existe um lugar onde esta chegou que a arte não tenha estado antes: os poetas e sua capacidade intuitiva de nomear sentimentos e representar com as palavras, angústias e anseios primitivos, são a prova disso.

Para Freud eles eram aliados preciosos que deveriam ser levados em consideração cuidadosa visto que estavam acostumados a conhecer uma série de coisas entre o céu e a terra das quais nossa filosofia nem mesmo suspeita.

Dizia:

“Particularmente no conhecimento do espírito, eles ultrapassam de longe a nós, meros mortais, visto que se valem de fontes que ainda não foram abertas à ciência”.

Wilfred Bion, um importante psicanalista britânico, identificou um conceito que viria inaugurar uma das maiores mudanças de paradigma da psicanálise lendo o poeta inglês John keats.

Em sua genialidade, transpôs para a ciência o termo “capacidade negativa”, que keats definiu como a capacidade que os homens das artes deveriam ter de “ser entre incertezas, mistérios e dúvidas, sem nenhuma irritação que o fizessem sair em busca de fatos ou da razão “.

Esta capacidade de estar em um estado de suspensão, de vazio, sem persecutoriedade, é imprescindível para se fazer poesia, brincar , sonhar e fazer psicanálise.

A escuta psicanalítica, tentava até pouco tempo reconhecer e compreender o sentido do que estava sendo dito, e o analista tinha a função exclusiva de interpretar e comunicar suas apreensões ao paciente.

Hoje, essa escuta está voltada sobretudo, para as infinitas possibilidades de facilitar os esforços do paciente de vir a ser quem ele realmente é ; de ajudá-lo a se parecer com a pessoa que ele sente ter o potencial e a responsabilidade de ser.

Uma mudança que demanda do analista uma maior capacidade imaginativa para sonhar pelo outro as suas vivências emocionais até que este tenha condições de fazê-lo.

Pois, é nessa capacidade de sonhar as comunicações do paciente, de desconstruí-las e combiná-las em um sentido comunicável que, aquilo que antes não era pensável e talvez nem existente (o material não elaborado que se converteu em sintoma), pode ser transformado em uma experiência tolerável e com algum significado.

É esta a arte da psicanálise : oferecer um sentido!

É esta a arte da arte: transformar algo que existia em estado bruto, sem uma forma , em algo simbolizado , nomeado, com condições de ser metabolizado e representado pela mente. É a materialização do sonho, ou dito de outra forma, um outro jeito de sonhar as sensações.

Com sua capacidade divina de dar expressão a algo que só existia no sensorial, nos inspira, pela sua condição insaturada e, nos auxilia imensamente nessa função imprescindível em nossas mentes, pois, quanto mais transformamos as experiências dentro de nós (dando uma significado emocional ao que era só uma realidade sensorial ) , mais atribuímos sentido à vida e nos sentimos vivos e reais.

É desnecessário e indiscutível enfatizar a relevância do estudo das teorias e da produções científicas que alicerçam o nosso conhecimento sobre a psicanálise, mas, é de extrema importância( como Freud já nos advertia) valorizarmos a função de ponte, exercida pela arte, na clínica e na vida, nos possibilitando alcançar as vicissitudes da existência, o inconsciente e os sonhos, como nenhuma ciência foi capaz de fazer.

Benditos os que reconhecem o privilégio de se ocupar de uma ciência que nos convoca a trabalhar como um artista; criativos e interessados nas inúmeras possibilidades de aprendizado que podem surgir a partir da experiência emocional construída continuamente pela dupla analítica.

Um artista, mais interessado na paisagem que no enquadre, e que abriga dentro de si a curiosidade e a esperança, companheiras imprescindíveis para quem se ocupa da existência com todos os seus mistérios e incertezas.

#lucianatomaz

Jardinagem: Arte de Cultivar os Jardins

Hoje, plantando sementes da flor Amor Perfeito percebi o quanto a jardinagem é parecida com o amor. Na quarentena, aproximei-me ainda mais do cultivo das plantas: aprendi mais, testei mais, errei mais e também fiz descobertas surpreendentes. Percebi principalmente que a jardinagem não é perfeita, nem o amor. Ambos não são uma ciência exata. Talvez também por isso sejam tão interessantes.

E que é preciso saber antes de tudo, a deixar as coisas, por vezes, serem sozinhas, sem o nosso controle egoísta, pois cada etapa tem seu tempo. A jardinagem envolve conhecimento, dedicação, espera e paciência.

O amor precisa da mesma espera e cultivo. Cada passo de um relacionamento pede um olhar de cuidado específico, pois o outro não caminha no mesmo tempo que a gente. Cada um tem seu tempo para florescer. Nem sempre precisamos ser o foco, nem sempre nossas dores são as mais importantes, nem sempre estamos com a razão.

Amor próprio é fundamental, mas saber que não somos o centro do mundo é igualmente importante.

Plantar ensina a gostar dos erros, a aprender o caminho da paciência, deixando a vaidade de lado quando as coisas saem do nosso controle, para aceitar com humildade a ajuda amiga de alguém, que tenha mais experiência.

Plantar e amar: é buscar a terra especifica, o adubo, sementes, experimentar deixar o vaso alguns dias numa área arejada, outros dias dentro de casa. Proteger da chuva, do frio, do vento. Não saber qual semente vai vingar ou não. Saber que a planta pode morrer igualmente de sede ou afogada. Saber que faz sujeira! E encontrar a melhor estratégia para os imprevistos do percurso.

É sobretudo suportar dúvidas! É sobretudo olhar com atenção para além de si mesmo!

O amor nos devolve o mesmo aprendizado, pois os erros do caminho podem ser usados para construir pontes e não barreiras.

Plantar pode te fazer amar a simplicidade das coisas, sejam os brotinhos que surgem (como bebês), uma mudinha que você pede para alguém ou doa. É um tempo para repensar os problemas, despir os preconceitos, apreciar o novo, o crescimento, os detalhes, o simples, descobrir caminhos, perder e ganhar.

O amor reside na simplicidade e só é possível permanência, pela construção/plantio de pequenos gestos/sementes.

Lembre-se: não se colhe abacates plantando mangas.

 

Ana Paula Lima Pereira: Psicóloga Clínica,  especialista em teoria psicanalítica,  membro do CEEPU e do LIPA ( Laboratório de Investigação Psicanalitica da Adolescência ). @analimapsicologa

Homenagem ao Centenário de um dos Pilares da Formação Analítica – Supervisão

 por Maruzza Cerchi.

No decorrer de um grupo de estudos do qual faço parte, surgiu entre os participantes a seguinte questão: seria possível ensinar Psicanálise, de tal forma a uma pessoa “vir a tornar-se” psicanalista? Formulando a pergunta através de um outro vértice:  seria possível aprender Psicanálise? A discussão se abriu em direção a diferentes reflexões. Sem pretensão alguma em esgotá-las, elegerei alguns ecos desta fértil conversa.

Recentemente, pesquisando textos de Psicanálise sobre a temática: “Tempo” em Psicanálise, deparei-me com um Jornal de Psicanálise da SBPSP, do ano de 2011, com o título: Os Tempos da Psicanálise. Ocorreu que, um dos artigos deste jornal, destacou-se dos demais, despertando, em mim, a vontade em conhecer, um pouco mais, dados biográficos do referido autor e, quem sabe, outros textos de sua autoria. Mas, para minha decepção, após uma breve investigação, constato que o autor havia falecido há mais de uma década e, que infelizmente, durante sua longa e reconhecida trajetória psicanalítica, havia realizado, apenas, algumas publicações. Mas, felizmente, através da ajuda de uma colega da SBPSP, tive acesso a alguns de seus textos, disponíveis na biblioteca desta Instituição.

Na pesquisa que fiz, encontrei, do Psicanalista Laertes Moura de Ferrão, ou Ferrão, como  costumava ser  chamado pelas pessoas mais próximas, um texto: Congresso Interno da SBPSP: supervisão – Parte II (2001), no qual discorre brevemente, sobre o tema – “supervisão”, destacando, logo no início do texto que, em 1920 Eitingon, Abraham e Simmel fundaram o Instituto de Berlim de Psicanálise, com o intuito de investigação e treinamento psicanalítico e, desenvolveram também, neste mesmo ano, o terceiro eixo da formação Psicanalítica, tal seja, a Supervisão Analítica como exigência de formação.

Percebi então que, um dos sólidos tripés da formação analítica – a Supervisão, estaria, neste ano de 2020, comemorando seu centenário, merecendo, portanto, uma merecida homenagem.

Antes mesmo, de ter acesso ao texto do Dr. Ferrão, mencionei no grupo de estudos que, a experiência de supervisão foi, dentre outros fatores muito importantes na minha trajetória profissional, em parte, inclusive, propiciadora de um “aprender” Psicanálise.

No texto, acima citado, Dr. Ferrão, diz que para ele, haveria Supervisões e não Supervisão, pois no seu entendimento, existiriam diferentes tipos e formas de Supervisão. Ele prossegue relatando a respeito de sua forma de trabalhar como supervisor, cita como exemplo, o quanto para ele a Psicanálise deveria ser realizada em uma relação comensal, onde dois objetos se relacionariam para originar um terceiro objeto, que promoveria o desenvolvimento dos três: do analisando, do analista e da investigação analítica.  Apesar de não deixar explícito no texto, percebe-se que essa mesma dinâmica ele utilizaria na relação de analista e supervisionando, principalmente, ao discorrer, que no seu trabalho de supervisão, procurava sempre destacar para o supervisionando, os dados que ele (supervisionando) pudesse vir a observar ou intuir na experiência emocional de sua relação com o analisando, dizendo que não ensinaria técnica ou teoria psicanalítica durante a supervisão, por não acreditar que a Psicanálise pudesse ser ensinada.  Por meio desta afirmação, Ferrão, demostrava acreditar que, para ele, as pessoas, teriam apenas condições de aprender da própria experiência emocional, caso “animados” pela pulsão de conhecer o psíquico, que culminaria em uma habilidade para observar e, quem sabe até intuir a realidade psíquica.

Diz ele:

“Os bons aplicadores das teorias psicanalíticas aceitos na prática analítica são os que, pelo autodescobrimento, isto é, por si mesmo, redescobrem as teorias intuindo experiências semelhantes aquelas que o descobridor elaborou em suas teorias”.

Então, seria possível aprender e não aprender, ensinar e não ensinar em supervisão, em análise, nas escolas, ou, até mesmo na vida, a depender de alguns, ou de muitos e complexos fatores.

A lembrança de outro texto, que data de quase vinte anos atrás, surgiu como auxílio para expandir essas questões: Da procura à escolha – Roberto Kehdy (2000).  Deste texto, destaco ter me identificado, a tal ponto, de citá-lo em alguns dos meus atendimentos ou supervisões.  É um texto, cuja reflexão, tangencia a anterior, principalmente no que diz respeito, às questões: De onde vem o Psicanalista?  Quais características que um futuro psicanalista deveria ter? Seria possível, ensinar a ser psicanalista? Valeria a pena a leitura na íntegra do texto. Porém, para o nosso propósito, ressaltaria apenas, o fato do autor apontar algumas características, podemos assim dizer, quase inatas, às quais ele intitula como “essenciais”, que uma pessoa precisaria “ser” ou “ter” para se tornar um psicanalista, e, algumas outras que, na sua percepção a pessoa poderia aprender ou vir a desenvolver.

Curiosidade, ousadia, amor à verdade seriam algumas das características essenciais, reconhecidas por ele, como presentes em algumas pessoas desde a infância, ou seja, difíceis, ao que tudo indica, de serem “ensinadas”. Algumas outras funções, acrescenta ele, tais como:  a área intermediária, capacidade negativa, rêverie, capacidade de reparação que poderiam culminar numa ampliação da condição simbólica e, consequentemente em melhores condições empáticas, figurariam como possibilidades a serem desenvolvidas, em análise pessoal e, porque não, nas atividades de supervisão, a aniversariante centenária?

Por fim, como conjectura imaginativa, ocorreu-me e, faz algum sentido que, talvez, uma das razões pelo qual, Dr. Ferrão escrevera “pouco” ou publicara “poucos” artigos durante seu percurso profissional, seja pela ênfase que ele conferiu a importância da experiência emocional ao se pensar no ensino da Psicanálise. Seria como se, “realizasse” (Bion) no seu trabalho, o que acreditava teoricamente, reservando o aprender, a experiências emocionais mais íntimas, profundas e, vivenciais. Ou seja, podemos conjecturar que, caso alguém tenha tido a oportunidade de aprender Psicanálise com o Ferrão, certamente, teria sido pela via, de um contato efetivo/afetivo com a sua pessoa.

Celso Antônio Vieira de Camargo, no texto de sua autoria: Do aprender com a experiência ao contato psíquico genuíno (2011), ressalta a importância de dois fatores no processo de aprender com a experiência emocional, ele diz:

“Um deles, é a capacidade de tolerarmos situações difíceis e frustrantes. Ou seja, nossa capacidade de continência. O outro é a possibilidade de darmos sentido psíquico à experiência pela qual passamos, e, por meio desse sentido psíquico, aprendermos sobre ela e sobre a vida”.

Fica evidente que, sem nos expandir, e, nos aproximar das sutilezas apontadas por esses psicanalistas e, ainda mais, das variações presentes na complexidade existente na dinâmica de cada pessoa, tanto no campo intrapsíquico, como no campo intersubjetivo, qualquer aproximação desta temática, estaria fadada a naufragar.

Assim, em se tratando de Psicanálise, não existira apenas “supervisões”, como acreditava Ferrão. Mas, existiriam sim, poderíamos dizer, “análises”, “sessões”, “cursos”, “grupos de estudos”, “publicações” e “leituras”.  O Plural, reiterando e revelando, o singular e, o único nas subjetividades e, do aprender com as “experiências emocionais”.

Em tempos de isolamento, a possibilidade do encontro…

Aconteceu nessa última quinta-feira, dia 30/07, o “I Encontro com Freud” – Coordenadores e participantes dos módulos fundamentais de Freud, numa rica troca de experiências, permeada por poesias, criatividade e expressões de gratidão. Dentre tantas falas, um destaque para esses dois textos, que compartilhamos no nosso site. A primeira é de autoria do Michel, participante do módulo I, que a partir de sua experiência de aprendizado em grupo concebeu esse belo poema. O segundo é uma nota do Fernando Pessoa, que de maneira poética nos apresenta o fazer analítico.
As poesias já estão no nosso site. Vejam www.ceepu.com.br
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O amor pela verdade

Existe em mim um desejo. Na verdade, vários. Eles carregam consigo aquilo que me representa do jeito mais ambíguo nas minhas relações de amor e ódio. Neles. reside o sentido, o navio que me conecta, mas que me naufraga, que me afunda, mas que sustenta. É o desejo que detém e possui minha verdade. E nessa verdade, a luz me envolve. me engole, me pertence. A luz da verdade queima, e sara também. Dói saber. Cura saber. Qual me vale mais?
Mas dói saber.
Acredito, pois só nessa angústia posso crer e confiar. Somente nela posso ser. Só com essa dor de saber posso conhecer a verdade. A minha. Mas vai doer saber. E esse meu preço, posso pagar? E será que a verdade desse rio, do fluxo das inúmeras verdades em meus desejos, é tão cara assim que não valha a pena pagar?
Bom, vou consertar minha jangada e encarar o mar, o rio, os lagos, até que isso um dia me quebre por inteiro. E que eu descubra as novas formas que os cacos de mim podem tomar. Esse é o meu amor pela verdade.

Michel Rodrigues Guimarães

 

Nota Preliminar

O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.

Fernando Pessoa

 

 

Nota Preliminar

O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo. Fernando Pessoa

Poema de Quarentena

por Elisa Aires.

Vejo um bebê sendo amamentado.

Vejo uma mãe consolando o choro.

Vejo um pai embalando o berço.

Vejo um menino muito curioso.

Vejo uma moça e os seus amores.

Vejo um homem descobrindo dores.

Vejo uma mulher plantando flores.

Vejo um velho e o seu silêncio.

Ouço os pássaros no entardecer.

Ouço as buzinas dos apressados.

Ouço o vento e a ventania.

Ouço a televisão com suas notícias.

Ouço o sino da catedral.

Saboreio o pão do dia.

Saboreio o suco da fruta colhida.

Saboreio a fome desesperada.

Saboreio a sopa quente em noite fria.

Cheiro a comida na mesa posta.

Cheiro as rosas do vaso da sala.

Cheiro o mofo no guarda-roupa.

Cheiro a fumaça vinda das ruas.

Toco a caneta para fazer palavras.

Toco o telefone para ter companhia.

Toco a folha que está vazia.

Toco as lágrimas do cansaço.

Toco a cortina por onde entra o sol.

Sinto a angústia que circunda todos.

Sinto a coragem que circunda todos.

Sinto o medo que circunda todos.

Sinto a música que circunda todos.

Sinto o olhar perdido que circunda todos.

Sinto a paciência que circunda todos.

Sinto a esperança que circunda todos.

Tudo se repete.

Tudo é novidade.

Tudo é sabido.

Tudo é mistério.

Tudo é concreto

E tudo desaparece.

As janelas fecham, as janelas abrem.

Elisa Aires Rodrigues de Freitas: psicóloga clínica, mestre em psicologia, membro do CEEPU e da diretoria Inova-Ação.

“Que lugar é esse? Que tempo tenho? Breve relato de uma mãe em quarentena” por Karine Botelho, Psicóloga clínica, membro efetivo do CEEPU e da atual diretoria Inova-Ação.

Essas são as indagações que, frequentemente, permeiam minha mente nos últimos três meses. Reconhecer o que está se passando não é uma tarefa fácil e, acredito, que nem é preciso grandes elucubrações, conclusões, soluções e todos os seus derivados, nesse momento. No entanto, penso ser importante, pensar os pensamentos (acreditem isso não é uma redundância). Para pensar, não basta querer é preciso aprender a pensar. O pensar também é produto da dúvida, pensar desestabiliza.

Perdemos um pouco da nossa identidade? Dos nossos sonhos? Daquilo que imaginávamos poder, de alguma forma, controlar? O incerto tornou-se mais certo do que nunca. O princípio da incerteza que tanto estudo em Bion e realizo na análise pessoal, se faz presente e oportuno. As observações são incompletas, depende da experiência emocional de cada um. Essa incompletude, de certa forma, me traz conforto e me possibilita sair de um lugar comum, provocando rupturas. Pra que? Para que eu possa utilizar da minha capacidade criativa, estabelecendo novas oportunidades e fazendo diferentes conexões, internas e externas. Ou, poderia simplesmente, entrar no Caos e não mais sair, inundar-me nele.

Bem sei que é muito mais fácil falar do que realizar, por isso há tantas pessoas em sofrimento, precisando de um espaço de escuta e acolhimento para as suas angústias. Um espaço onde, de fato, o pensador possa se apropriar dos seus pensamentos e tecer sua subjetividade. É urgente e necessário validar os aspectos emocionais, os quais possivelmente surgem, mas dificilmente leva-se em consideração. Ou seja, poder tornar manifesto o que está latente.

Conversando com uma amiga, confessei que tenho “beirado” a loucura (ufa, que alívio!), devido à vastidão de estados esquizoides que tem me invadido. Reconheço sendo esses, na maioria das vezes, ligado às aulas online dos meus filhos e, desse mundo frenético, que o conhecimento através das redes, tem-nos oferecido. É informação demais? É falta dela, a partir dos modelos vividos até então?

É complexo, é verdade. Trabalhar com complexidade é aumentar as probabilidades de resolução. Só se aprende a pensar esperando o inesperado, a capacidade de tolerar o vazio e o desconhecido. Fico pensando como vamos sobreviver a tantos estímulos. Que lugar daremos a eles e em qual tempo. Freud diz que é na espera pelo objeto, que não está sempre à disposição, que o bebê experimenta a falta e constrói a noção de tempo. A noção de tempo é construída, portanto, no intervalo entre a necessidade e a satisfação. A capacidade de tolerar frustração possibilita à capacidade de tolerar o tempo, tolerando o tempo, você consequentemente, aprende a tolerar o espaço.

Imagino que o meu tempo, não seja o mesmo que o dos meus filhos adolescentes, os quais potencializam, sobretudo, o que estão perdendo. A relação presencial e direta com os amigos, com o grupo, é razão sine qua non da existência. Em contrapartida, consomem as redes sociais continuamente, exigindo um esforço nosso de disciplina e rotina, admito que nem sempre a contento. Vou tentando considerar, escutando suas faltas e reconhecendo com eles, possíveis caminhos de transformação. Mas, a educação, o ensino, o que fazemos? Seguimos aprendendo como é possível, conscientes de que não há nem mais nem menos. O que há, é o espaço de um lugar nunca antes ocupado e que por isso, cada um precisa fazer valer sua imaginação e criatividade. Somos e reagimos diferentes às situações.

Acredito que ensino e aprendo diariamente com a vida, com os pacientes e especialmente com os meus filhos. Mesmo que hoje, posso reconhecer em mim, sem me assustar tanto, estados de turbulência emocional. Como diz uma pessoa, que me é muito especial e, que sou grata: “Quando sai errado é que dá mais certo”.

 

 

Karine Botelho

Psicóloga clínica, membro efetivo do CEEPU e da atual diretoria Inova-Ação, Aprimoranda em Observação da Relação Mãe-Bebê na Família, modelo Tavistock Martha Harris pelo Centro de Estudos Psicanalíticos Mãe-Bebê-Famíla de São Paulo.

“TEMPO: como pensamos, sentimos e somos o tempo que vivemos” com vídeos de diversos especialistas publicado pelo Fronteiras do pensamento

” TEMPO: como pensamos, sentimos e somos o tempo que vivemos” com vídeos de diversos especialistas publicado pelo Fronteiras do pensamento www.ceepu.com.br https://www.fronteiras.com/artigos/tempo-como-pensamos-sentimos-e-somos-o-tempo-que-vivemos

Pelo olhar o psi, por Arnaldo Chuster: “A peste sob a forma de uma Esfinge se instalou nas portas da cidade, impondo um isolamento social”

Pelo olhar o psi, por Arnaldo Chuster: “A peste sob a forma de uma Esfinge se instalou nas portas da cidade, impondo um isolamento social” – https://lulacerda.ig.com.br/pelo-olhar-o-psi-por-arnaldo-chuster-a-peste-sob-a-forma-de-uma-esfinge-se-instalou-nas-portas-da-cidade-impondo-um-isolamento-social/