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Ah, esta arte da Psicanálise – Luciana Tomaz, psicóloga, membro do CEEPU

Ah, esta arte da Psicanálise!

Existe um axioma na medicina que diz:

“O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.”

Sempre que a arte e a literatura emprestam uma representação para uma experiência emocional, essa frase surge em minha mente e a parafraseio usando a psicanálise pois, não existe um lugar onde esta chegou que a arte não tenha estado antes: os poetas e sua capacidade intuitiva de nomear sentimentos e representar com as palavras, angústias e anseios primitivos, são a prova disso.

Para Freud eles eram aliados preciosos que deveriam ser levados em consideração cuidadosa visto que estavam acostumados a conhecer uma série de coisas entre o céu e a terra das quais nossa filosofia nem mesmo suspeita.

Dizia:

“Particularmente no conhecimento do espírito, eles ultrapassam de longe a nós, meros mortais, visto que se valem de fontes que ainda não foram abertas à ciência”.

Wilfred Bion, um importante psicanalista britânico, identificou um conceito que viria inaugurar uma das maiores mudanças de paradigma da psicanálise lendo o poeta inglês John keats.

Em sua genialidade, transpôs para a ciência o termo “capacidade negativa”, que keats definiu como a capacidade que os homens das artes deveriam ter de “ser entre incertezas, mistérios e dúvidas, sem nenhuma irritação que o fizessem sair em busca de fatos ou da razão “.

Esta capacidade de estar em um estado de suspensão, de vazio, sem persecutoriedade, é imprescindível para se fazer poesia, brincar , sonhar e fazer psicanálise.

A escuta psicanalítica, tentava até pouco tempo reconhecer e compreender o sentido do que estava sendo dito, e o analista tinha a função exclusiva de interpretar e comunicar suas apreensões ao paciente.

Hoje, essa escuta está voltada sobretudo, para as infinitas possibilidades de facilitar os esforços do paciente de vir a ser quem ele realmente é ; de ajudá-lo a se parecer com a pessoa que ele sente ter o potencial e a responsabilidade de ser.

Uma mudança que demanda do analista uma maior capacidade imaginativa para sonhar pelo outro as suas vivências emocionais até que este tenha condições de fazê-lo.

Pois, é nessa capacidade de sonhar as comunicações do paciente, de desconstruí-las e combiná-las em um sentido comunicável que, aquilo que antes não era pensável e talvez nem existente (o material não elaborado que se converteu em sintoma), pode ser transformado em uma experiência tolerável e com algum significado.

É esta a arte da psicanálise : oferecer um sentido!

É esta a arte da arte: transformar algo que existia em estado bruto, sem uma forma , em algo simbolizado , nomeado, com condições de ser metabolizado e representado pela mente. É a materialização do sonho, ou dito de outra forma, um outro jeito de sonhar as sensações.

Com sua capacidade divina de dar expressão a algo que só existia no sensorial, nos inspira, pela sua condição insaturada e, nos auxilia imensamente nessa função imprescindível em nossas mentes, pois, quanto mais transformamos as experiências dentro de nós (dando uma significado emocional ao que era só uma realidade sensorial ) , mais atribuímos sentido à vida e nos sentimos vivos e reais.

É desnecessário e indiscutível enfatizar a relevância do estudo das teorias e da produções científicas que alicerçam o nosso conhecimento sobre a psicanálise, mas, é de extrema importância( como Freud já nos advertia) valorizarmos a função de ponte, exercida pela arte, na clínica e na vida, nos possibilitando alcançar as vicissitudes da existência, o inconsciente e os sonhos, como nenhuma ciência foi capaz de fazer.

Benditos os que reconhecem o privilégio de se ocupar de uma ciência que nos convoca a trabalhar como um artista; criativos e interessados nas inúmeras possibilidades de aprendizado que podem surgir a partir da experiência emocional construída continuamente pela dupla analítica.

Um artista, mais interessado na paisagem que no enquadre, e que abriga dentro de si a curiosidade e a esperança, companheiras imprescindíveis para quem se ocupa da existência com todos os seus mistérios e incertezas.

#lucianatomaz

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