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“Que lugar é esse? Que tempo tenho? Breve relato de uma mãe em quarentena” por Karine Botelho, Psicóloga clínica, membro efetivo do CEEPU e da atual diretoria Inova-Ação.

Essas são as indagações que, frequentemente, permeiam minha mente nos últimos três meses. Reconhecer o que está se passando não é uma tarefa fácil e, acredito, que nem é preciso grandes elucubrações, conclusões, soluções e todos os seus derivados, nesse momento. No entanto, penso ser importante, pensar os pensamentos (acreditem isso não é uma redundância). Para pensar, não basta querer é preciso aprender a pensar. O pensar também é produto da dúvida, pensar desestabiliza.

Perdemos um pouco da nossa identidade? Dos nossos sonhos? Daquilo que imaginávamos poder, de alguma forma, controlar? O incerto tornou-se mais certo do que nunca. O princípio da incerteza que tanto estudo em Bion e realizo na análise pessoal, se faz presente e oportuno. As observações são incompletas, depende da experiência emocional de cada um. Essa incompletude, de certa forma, me traz conforto e me possibilita sair de um lugar comum, provocando rupturas. Pra que? Para que eu possa utilizar da minha capacidade criativa, estabelecendo novas oportunidades e fazendo diferentes conexões, internas e externas. Ou, poderia simplesmente, entrar no Caos e não mais sair, inundar-me nele.

Bem sei que é muito mais fácil falar do que realizar, por isso há tantas pessoas em sofrimento, precisando de um espaço de escuta e acolhimento para as suas angústias. Um espaço onde, de fato, o pensador possa se apropriar dos seus pensamentos e tecer sua subjetividade. É urgente e necessário validar os aspectos emocionais, os quais possivelmente surgem, mas dificilmente leva-se em consideração. Ou seja, poder tornar manifesto o que está latente.

Conversando com uma amiga, confessei que tenho “beirado” a loucura (ufa, que alívio!), devido à vastidão de estados esquizoides que tem me invadido. Reconheço sendo esses, na maioria das vezes, ligado às aulas online dos meus filhos e, desse mundo frenético, que o conhecimento através das redes, tem-nos oferecido. É informação demais? É falta dela, a partir dos modelos vividos até então?

É complexo, é verdade. Trabalhar com complexidade é aumentar as probabilidades de resolução. Só se aprende a pensar esperando o inesperado, a capacidade de tolerar o vazio e o desconhecido. Fico pensando como vamos sobreviver a tantos estímulos. Que lugar daremos a eles e em qual tempo. Freud diz que é na espera pelo objeto, que não está sempre à disposição, que o bebê experimenta a falta e constrói a noção de tempo. A noção de tempo é construída, portanto, no intervalo entre a necessidade e a satisfação. A capacidade de tolerar frustração possibilita à capacidade de tolerar o tempo, tolerando o tempo, você consequentemente, aprende a tolerar o espaço.

Imagino que o meu tempo, não seja o mesmo que o dos meus filhos adolescentes, os quais potencializam, sobretudo, o que estão perdendo. A relação presencial e direta com os amigos, com o grupo, é razão sine qua non da existência. Em contrapartida, consomem as redes sociais continuamente, exigindo um esforço nosso de disciplina e rotina, admito que nem sempre a contento. Vou tentando considerar, escutando suas faltas e reconhecendo com eles, possíveis caminhos de transformação. Mas, a educação, o ensino, o que fazemos? Seguimos aprendendo como é possível, conscientes de que não há nem mais nem menos. O que há, é o espaço de um lugar nunca antes ocupado e que por isso, cada um precisa fazer valer sua imaginação e criatividade. Somos e reagimos diferentes às situações.

Acredito que ensino e aprendo diariamente com a vida, com os pacientes e especialmente com os meus filhos. Mesmo que hoje, posso reconhecer em mim, sem me assustar tanto, estados de turbulência emocional. Como diz uma pessoa, que me é muito especial e, que sou grata: “Quando sai errado é que dá mais certo”.

 

 

Karine Botelho

Psicóloga clínica, membro efetivo do CEEPU e da atual diretoria Inova-Ação, Aprimoranda em Observação da Relação Mãe-Bebê na Família, modelo Tavistock Martha Harris pelo Centro de Estudos Psicanalíticos Mãe-Bebê-Famíla de São Paulo.

2 comentários em ““Que lugar é esse? Que tempo tenho? Breve relato de uma mãe em quarentena” por Karine Botelho, Psicóloga clínica, membro efetivo do CEEPU e da atual diretoria Inova-Ação.”

  1. Karine, muito importante a sua observação sobre a construção de tempo e espaço citado por Freud, noção esta que pode estar ameaçada pela hiper presença do agora!
    Parabéns!!

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